É tempo de encontrar companhia
'Sou capaz de tudo por amor, menos deixar de amar.'
Foram estas, há muitos anos, as palavras que usou perante a mulher que o deixou porque, disse ela, o amava demais para suportar fazê-lo infeliz naquela sua infelicidade. No fundo: ela não estava feliz e abandonou-o para não o encher da sua infelicidade, o que acabou por, claro, o deixar ainda mais infeliz. É isso o amor: aquilo que por vezes nos deixa infeliz quando existe mas que nos deixa sempre infeliz quando não existe.
'Sou uma pessoa saciada e insaciável em igual quantidade.'
Foi o que aquela mulher que acabou de dizer quando ele lhe perguntou como se chamava. Assim, sem mais nem menos, sem ele esperar, algo se mexeu dentro de si. Poderia muito bem não ser nada, mas tudo indicava que era tudo. É isso o amor: aquilo que pode muito bem não ser nada mas que tudo indica que é tudo.
'Gosto de arriscar em tudo menos no que não posso arriscar perder.'
Terá sido com esta frase que ele lhe disse que queria casar com ela. Nada romântica, por sinal, mas o suficiente para a convencer de que era querida tal como ela o queria. Casaram numa cerimónia em que estava toda a gente: o padre, ele e ela. É isso o amor: a certeza de que estando presente quem se ama toda a gente está presente.
'Quando envelhecemos vemos mais longe.'
Estavam os dois a ficar mais velhos, humanos como eram – e talvez sejam os mais humanos os que mais envelhecem, pela simples e clara razão de que como têm mais humanidade vivem mais, e é quem vive mais o mais velho, apesar de por vezes não ser o que tem mais idade. Nem ele nem ela sabiam o que fariam quando porventura um dos dois envelhecesse ou vivesse tanto que deixasse de se ver (a morte é só isso: viver tanto que se deixa de ser visto), mas ambos sabiam que até que a morte chegasse fariam tudo para estar vivos, algo que de tão elementar e de estar tão à frente dos olhos acaba por não ser visto por grande parte dos humanos. É isso o amor: algo tão elementar e tão à frente dos olhos que acaba por não ser visto por grande parte dos humanos.
'O grande defeito do amor é só existir quando está em excesso.'
Não se percebeu muito bem se foram palavras dele ou palavras dela, estavam os dois deitados na mesma cama, tinham os dois várias dezenas de anos de vida desde que nasceram e ainda mais dezenas de anos de vida desde que se conheceram: tivessem morrido antes de se conhecerem e teriam morrido bem mais velhos. Os filhos, dois, cuidavam deles como haviam sido cuidados por eles. É isso o amor: aquilo que cuida de nós exactamente como nós cuidamos dele.
'Quando morreres ama-me para sempre, e quando viveres também.'
Terá sido uma das frases dos votos que leram um ao outro no dia em que se amaram pela primeira vez. E pela última vez também.
Por: Pedro Chagas Freitas, in 'PrometoAmar'
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